sexta-feira, 3 de junho de 2005

um sonho tornado pesadelo

estas palavras ja foram escritas ha algum tempo mas a realidade delas ainda hoje permanecem...e vao sempre ser verdadeiras!
Escrevo isto porque me sinto sozinha. Parece que olho para os lados e não vejo ninguém. Hoje tive a certeza que perdi o meu pai...
Hoje olhei-o nos olhos e apercebi-me que ele já não é responsável pelos seus actos. Quem o domina, quem conduz os seus passos é um vicio. É uma doença. Desde miúda, até há um tempo atrás, via o meu pai como um herói, como um homem perfeito, que era superior a todos os erros e era superior a tudo. Era uma pessoa pela qual me orgulhava, que venerava, que queria ter sempre presente comigo. Sempre que contrariavam a minha vontade de achá-lo perfeito, sempre que o magoassem (mesmo sendo com as verdades, e eu nunca me apercebi dessas verdades), sempre que discutiam com ele, sempre que lhe atirassem com uma imperfeição eu defendia-o com todo o meu amor, com todo o meu carinho, com toda a minha dedicação de filha. Ele era uma parte muito grande da minha vida. E eu sei, que também o era para ele, sei que era o sonho, o orgulho, a grande paixão dele. Sei que ele depositou todos os seus sonhos em mim, sei que eu era o futuro da maravilha para ele. E sei que destruí tudo isso, porque fui-me tornando um pesadelo... porque o desiludi muito, porque o magoei muito e sei muito bem que ele muitas noites ao deitar-se, adormece a tentar obter a resposta de uma só pergunta “Porque é que ela já não é a minha Rita de dez anos?”... queria dar-lhe essa resposta. Porque cresci, porque neste presente, estou a passar pela adolescência... e que não tem sido nada fácil. Tenho outros pensamentos, outras coisas que me fazem dedicar todo o meu tempo, todo o meu sofrimento. Aprendi a amar, amar o errado, e quando se ama o errado tudo se torna muito mais difícil. E agora passo pelas constantes amizades, pelas desilusões... passo por tudo um pouco da adolescência, o que deixa um pouco de lado a família. O que é um pouco normal aos quinze anos. E então deixei de ser o grande sonho dele. Como ele deixou de ser o meu. À medida que fui crescendo, à medida que me aproximei de ser adolescente, à medida que fui ganhando capacidade de pensar realmente em algumas coisas da vida, fui entendendo tudo aquilo que ouvi durante a minha infância... e então, consegui compreender a doença que ele tem. O vicio, o vicio que ele sustenta que é muito mais forte que ele. E desde que percebi isso, nunca fui a mesma rapariga... porque da mesma maneira que ele se sentiu traído por mim, por ter me desleixado em tudo, também eu me senti traída por ao longo de tantos anos ter defendido alguém que no final de contas era mesmo tudo aquilo que ouvia. Mesmo assim, a doença dele nunca me tinha atingido directamente, via-o magoar a minha mãe com palavras, via-o a destratar o meu irmão, mas nunca me tinha atingido a mim. Até que um dia aconteceu... tive-o nos meus braços inconsciente e aí apercebi-me com muita força tudo o que este vicio representa. Até que chegou a altura de me magoar, de me dizer coisas que nunca se dizem a ninguém que se ama. Principalmente a uma filha. A partir daí tornei-me distante, tornei-me indiferente a uma doença que não consigo e nem nunca vou conseguir aceitar. Mas hoje voltei a sentir tudo na pele, com muita força, hoje gritei-lhe a minha dor, a minha desilusão e disse-lhe que ele me enojava... e ele mesmo perdido no meio do vinho sem saber o que estava realmente a acontecer, mesmo sendo o vicio a agir por ele, mesmo sendo o vicio que o dominava naquela hora, naquele segundo em que lhe disse o que estava a sentir por ele sei que o magoei. Sei que ele sentiu no seu coração, na sua alma, as minhas palavras, as palavras de alguém que um dia foi o seu sonho. Sei porque vi no olhar dele a dor que a minha desilusão transmitida por aquelas palavras lhe causou. Escrevo isto, porque sei que ele não vai ler, mas no fundo gostava que ele lesse para perceber que apesar de tudo o amo muito. É meu pai. Mas só que a partir de hoje nunca mais lhe vou olhar nos olhos e vou ter sempre presente em mim uma grande mágoa, uma grande decepção.
Odeio-me por não conseguir ajudá-lo, mas isso só ele pode fazer a si mesmo.
Odeio-me porque o desiludi. E odeio-me porque deixei-me iludir por ele, na minha infância, na minha ingenuidade. E quero também salientar que tenho uma mãe que é uma grande mulher, porque ela, mais que ninguém sente esta doença. Ela é que sofre realmente nesta situação. Porque a minha dor, pode-se esconder na adolescência, nos meus amigos consigo encontrar um pouco de paz, mas a minha mãe não tem ninguém em quem encontrar um pouco dessa paz. E quanto ao meu pai, acho que para tentar ajudar-se, primeiro tem que admitir perante si mesmo que tem um vicio. Uma doença. O álcool. Enquanto não o fizer, nunca vai conseguir ajudar-se. E o mínimo que posso fazer é tentar aceitar o que ele tem e pode ser que um dia eu aceite.
Mas apesar de tudo e por tudo volto a dizer... pai amo-te muito.

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